No Ceará, a série histórica de chuvas comprova que os anos em que as precipitações ficam abaixo da média não são exceções. Mas, em alguns períodos, quando isso ocorre por anos seguidos, os impactos negativos devido à escassez hídrica são ainda mais severos. A chamada seca multianual, como as ocorridas com maior ênfase em dois períodos recentes no Estado, nos anos 1979 a 1983 e de 2012 a 2016, têm consequências duradouras.
No atual momento, diante do El Niño – fenômeno de aumento na temperatura do Oceano Pacífico, que afeta a ocorrência de chuvas no Nordeste brasileiro – e das iminentes evidências de que haverá seca no Ceará em 2024, um alerta se impõe: a possibilidade de nova seca multianual. É possível prevê-la? E o que pode ser feito já que o Ceará teve experiências recentes?
No Estado, além dos dois períodos já destacados, no contexto recente a seca se prolongou por mais de um ano em 1992 e 1993; 1997 e 1998; e 2002 e 2003. Nesses intervalos, as limitações provocam sofrimentos agudos na população, como a grande dificuldade de acesso à água, sobretudo, nas regiões semiáridas, e demandaram atuação estratégica das gestões públicas.
Mas, agora, diferentemente da última seca multianual, a de 2012 a 2016, quando uma série de medidas foram efetivamente realizadas de forma conjunta somente após os primeiros anos do cenário de escassez, tais como o combate às perdas de água, perfuração de poços, a instalação de adutoras, a cobrança da tarifa de contingência, e o realce nas obras estruturantes (Transposição do São Francisco e Cinturão das Águas, por exemplo), há mais possibilidades de uma certa antecipação das ações mitigadoras.
É possível prever que uma seca perdurará mais de um ano?
Nesta semana, após uma reunião com o governador do Estado, Elmano de Freitas, para tratar justamente do possível cenário de seca em 2014, o presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Eduardo Sávio, abordou a possibilidade de uma seca multianual.
No atual momento, disse Eduardo, no estágio o aporte dos açudes do Ceará, “temos uma segurança hídrica para a Região Metropolitana de Fortaleza. Mas, de qualquer forma, até porque não sabemos como serão os anos que se seguem, sempre tem aquela possibilidade de uma seca multianual, é importante que a população se conscientize no uso da água”.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, questionado sobre ser possível a previsão de seca multianual, Eduardo explica que:
“É muito difícil prever se uma seca será prolongada ou não, ou seja, realizar previsões com um ano ou mais de antecedência. Mas, ante a evolução das forçantes do clima, como as temperaturas dos oceanos tropicais que mais influenciam nosso clima, é possível indicar uma preocupação com a permanência do fenômeno por um longo período”.
Em paralelo, afirma, “o acompanhamento sistemático destas condições, juntamente com o sistema de previsão, permitem atualizarmos a sociedade e o Governo com as melhores informações disponíveis no momento”. Esse é um ponto estratégico. Conseguir se antecipar diante do problema.
O professor adjunto e diretor do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Regional do Cariri (URCA), Renato de Oliveira Fernandes, reitera que previsões climáticas em longa escala de tempo “apresentam grandes incertezas, assim as secas normalmente são previstas nos meses que antecedem a quadra chuvosa e a previsão é atualizada e melhorada à medida que o tempo avança”.
Diante das incertezas nas previsões do futuro, explica ele, “estratégias de convivência com as secas incluem ações que visam aumentar a resiliência, como por exemplo, monitoramento e previsões climáticas e identificação das regiões mais vulneráveis às secas”.
Quais são os maiores impactos?
De acordo com o representante da Funceme, a última seca multianual, de 2012 a 2016, teve impactos tão grandes no Estado que vários municípios cearenses têm até hoje uma situação preocupante. Sem detalhar quais são essas cidades, Eduardo garante que um monitoramento permanente é realizado sobre a severidade das condições de cada município e diz que soluções já vêm sendo apontadas. Tais como:
- Perfuração de poços
- Adutoras emergenciais
- Carros-pipa
Na saída da reunião com o governador, o presidente da Funceme também reforçou que os efeitos do El Niño e a provável seca geram impactos negativos não só para o aporte dos reservatórios monitorados, mas também para o abastecimento e a agricultura. “Tendemos a ter mais perda de rendimento na produção de sequeiros”, ressalta. Por isso, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) também traça medidas para atuar diante do cenário negativo.
“Uma seca multianual apresenta impactos sentidos em vários setores da economia e da sociedade. Em particular, na seca multianual recente, a agricultura, seja de sequeiro ou irrigada, foi fortemente impactada”.
No que diz respeito ao abastecimento humano, fortemente impactado pela última seca prolongada, ele reforça que o setor de recursos hídricos teve que: “buscar soluções de forma sistemática para garantir a segurança hídrica para a população urbana e rural. Estas soluções envolveram buscas de novas fontes, por exemplo, poços e açudes, transferências de águas entre bacias e a promoção na redução do consumo, entre outras estratégias”.
Outro efeito é na qualidade da água, especialmente, pela não renovação das águas e eutrofização, fenômeno que provoca a proliferação das algas nas águas, e esse excesso de matéria orgânica pode gerar malefícios.
O diretor do Centro de Ciências e Tecnologia da URCA, Renato de Oliveira, reforça que as secas que ocorrem na escala plurianual, como as de 2012 a 2018, “podem causar o esvaziamento dos açudes devido o aporte insuficiente de água em uma sequência de anos de pouca chuva, podendo causar grandes impactos, não apenas pelo o racionamento da água, mas pela possibilidade de escassez absoluta”.
Os efeitos, reitera, “prejudicam todos os setores, especialmente, a irrigação que apresenta alta demanda hídrica e necessita de grandes volumes de água”. Nas regiões nas quais o abastecimento de água é exclusivo de reservatórios superficiais, explica o professor, “podem necessitar de ações emergenciais devido à redução do volume e da qualidade da água”. (Do Diário do Nordeste)