Morreu nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira, 30 de setembro, o bispo emérito da Diocese de Quixadá, Dom Adélio Giuseppe Tomasin, aos 94 anos. Considerado o maior benfeitor da cidade, Dom Adélio, deixa grandes marcas, sobretudo na revolução do ensino superior em todo Sertão Central.
Uma de suas mais marcantes entrevistas concedida ao Sistema Maior de Comunicação foi em dezembro de 2014, no quadro Nossa Gente, Nossa História, do Jornal SerTão. Relembre:
Dom Adélio: Um italiano apaixonado pelo Ceará
O Jornal SerTão foi até o município de Quixadá, no Sertão Central, para conversar com Adélio Giuseppe Tomasin, o Bispo Emérito de Quixadá, Dom Adélio Tomasin. Ele nos recebeu em seu pequeno escritório, repleto de livros, situado no Remanso da Paz. Natural de Montegaldella, uma comuna italiana da região do Vêneto, província de Vicenza, Adélio escolheu há 26 anos Quixadá para viver.
Já no início da entrevista, Dom Adélio nos contou que sua decisão de se tornar padre se deu aos 20 anos, e que durante sua trajetória passou por muitas dificuldades, mas nunca teve um dia triste.
Dom Adélio: “As dificuldades da vida não depende de ser pai, de ser mãe, de ser leigo, de ser padre ou Bispo. É impossível dar uma resposta que corresponda realmente à pergunta de dizer se ser padre ou ser Bispo é difícil. Eu decidi que tinha uma escolha de vida e quis ser padre quando tinha 20 anos. Dormi no chão, passei fome, tive dificuldades como missionário, mas eu nunca passei um dia triste ou com trabalho superior as minhas forças”.
Inegavelmente a figura deste homem perpassa pelo desenvolvimento de Quixadá. “Hoje Quixadá é o que é pelo fruto do trabalho de Dom Adélio”, dizia um taxista à nossa equipe na Rodoviária do município ao saber que iríamos entrevistá-lo.
O povo de Quixadá é eternamente grato a este homem, que com todos os empecilhos encontrados conseguiu erguer na terra dos Monólitos um Santuário, o Nossa Senhora Rainha do Sertão, uma rádio, a Cultura AM, uma creche, a Rainha da Paz, um Hospital e Maternidade, o Jesus Maria José, esse considerado quase impossível, uma Faculdade, a Católica Rainha do Sertão.
Sempre ativo, o Bispo Emérito Dom Adélio construiu uma segunda Faculdade, a CISNE, com inauguração prevista para 2015, e uma casa de amparo para idosos, o Remanso da Paz, onde nos recebeu. O lugar é acolhedor, nos transmite a sensação de serenidade e é de lá onde Dom Aurélio cuida de dezenas de idosos.
D.A: “Eu não penso muito no antes, penso de uma maneira geral. Depois que deixei a Diocese eu vi que nunca tinha feito nada para os idosos. Então depois disso eu pensei em fazer algo, e então fiz o Remanso da Paz, uma casa de acolhida para os idosos de 60 anos para cima, com capacidade para atender 40 idosos, 20 homens e 20 mulheres. Eles passam o dia aqui, vivem novas amizades. Nós damos a esses idosos oportunidades de recuperar a vitalidade por quanto possível, pois muitos deles viviam sozinhos, abandonados. Estou ainda trabalhando, neste momento estou concluindo a piscina para hidromassagem, o que é importante para recuperação da capacidade motora”.
Abdicação do governo pastoral da Diocese de Quixadá
Dom Adélio teve que tomar uma importante decisão em 2007, quando em três de janeiro, com quase 77 anos, abdicou o governo pastoral da Diocese de Quixadá. A notícia foi recebida com certa preocupação por parte da população. Sua renúncia foi aceita pelo então Papa Bento XVI. Durante a entrevista Dom Adélio esclareceu o motivo da decisão.
D.A: “Existem regras na Igreja que até mesmo os Católicos desconhecem. Uma delas é a que foi estabelecida no Concílio Vaticano II, que todos os Bispos ao chegarem à idade de 75 anos devem apresentar ao Papa sua renúncia. Quando completei os meus 75 anos apresentei ao Papa minha renúncia, de acordo com as disposições gerais da Igreja, como todos os outros Bispos. A Santa Sé aceitou, mas disse que ficasse por mais dois anos em Quixadá como Bispo até chegar o meu substituto, e assim aconteceu”.
Dom Adélio foi substituído pelo também Bispo, Dom Ângelo Pignoli. Pelo amor ao Sertão Cearense, em especial à Quixadá, Adélio permaneceu na Terra dos Monólitos como Bispo Emérito. Mesmo não estando mais a frente da Diocese, Adélio ainda exerce várias funções, dentre elas a de professor. Ministra duas disciplinas na Faculdade Católica Rainha do Sertão, duas vezes por semana. Ele revelou ao SerTão que não existe tempo livre em sua rotina.
D.A: “Eu não tenho tempo livre. Até o ano passado eu continuei dando aula de Filosofia e Teologia, mas agora devido a idade deixei a Filosofia, embora gostasse, mas a turma era grande, 40 estudantes, eu ficava muito cansado, mesmo assim ainda leciono duas cadeias de Teologia na Faculdade Católica. Todas as tarde me coloco a disposição do povo, seja como Bispo, uma confissão, uma orientação. Vem muita gente, alguns doentes a procura de uma palavra de conforto, uma bênção, de maneira que quase todas as tardes atendo pessoas. Ando muito, vou ver as obras, vou à CISNE, acompanhei toda sua construção. As 18 horas celebro missa, e é assim, todo dia. Mesmo quando não tem gente pra atender ou outra coisa para fazer, eu leio”.
O artista
Dom Adélio nos mostrou aquilo que seria também uma de suas virtudes, a pintura. No próprio Remanso da Paz existe um salão repleto de quadros e pinturas feita por ele. Adélio revelou que gosta muito de pintar, que se sente bem quando faz isso. As pinturas do bispo são feitas a óleo e encantam pelas paisagens retratadas, muitas vezes imagens do sertão ao qual tanto se afeiçoou.
Homem político
Por fim, perguntamos a Dom Adélio se ele se considerava um homem político. Ele foi enfático na resposta.
D.A: “Eu espero ser um homem político, porque se eu não fosse Deus me pediria conta. Uma coisa é político, outra coisa é politiqueiro, partido e outras coisas. Como é que um Bispo, um cristão pode esquecer a metade do homem. A política é a vida da cidade, a política é o bem do povo. A Igreja não pode se calar, um Bispo tem que ser político, não politiqueiro. Se um dia mostrei a minha indignação não é porque demonstrei ser de partido A ou B, a mim interessa que o homem seja respeitado e que viva dignamente”.
Finalizando, ao ser questionado sobre como se sente diante de suas realizações, principalmente em função dos mais necessitados, Dom Aurélio afirmou:
D.A: “Eu me sinto muito bem, porque quem faz o bem geralmente se sente bem. Eu já disse no altar, sou filho de pobre e tudo que fiz na vida foi porque Deus me ajudou”.
SAIBA MAIS
“Nossa Gente, Nossa História”
O quadro chega em sua terceira edição no Jornal SerTão. Criado pela Fundação Canudos, o projeto visa fazer um registro da história, da arte e da cultura do Sertão Central, entrevistando personagens que fazem parte do cotidiano regional e que contribuem com seus saberes e práticas para a formação da nossa identidade cultural.
Ficha Técnica
Entrevista e Redação
Elistênio Alves
Assistência Técnica
Liliane Siqueira
Fotografia
Bruna Moreira
Veja a página da entrevista publicada na 3ª edição do Jornal SerTão: