Nosso articulista Elistênio Alves escreve sobre sua última entrevista com o radialista Viana Filho.
Meu interesse sobre a história de Viana Filho surgiu depois de uma apresentação do radialista na edição de número 16 do projeto Papo Cultural, da ONG IPHANAQ, em Quixeramobim. “O esporte é tudo. Qualquer modalidade de esporte é bem vinda e eu defendo”, disse ele na oportunidade.
Tive a grata satisfação de filmá-lo com os amigos Edmilson Nascimento, Dimitra, Amanda Queiroz, Ruanna Azevedo, Francisco Célio, Sara Oliveira, Rômulo de Paula e Alexandre Veras, pelos caminhos do esporte na nossa cidade. Passamos três meses.
Disso saiu o filme que conta um pouco de sua vida: “A Bola, o Trem e o Rádio”. Antes mesmo da gravação, escrevi o projeto do filme, e nessa oportunidade conheci um pouco mais de sua vida em uma entrevista inédita, feita exclusivamente para as linhas do projeto que hoje, de forma especial, e como homenagem, disponibilizo para vocês:
Depoimentos de Viana Filho
“Meu pai foi agente de estação, e eu fui o telegrafista mais jovem da REFFSA da Zona Sul, que correspondia João Felipe (Fortaleza) ao Crato. O telegrafista trabalha muito com a mente, você receber mensagens naquela época que não existia telefone, você trabalhava com a fita. Recebia uma mensagem de Quixeramobim, você sabia o código. Tinha que ter muita atenção. Inclusive o que me fez vir a Quixeramobim foi uma desatenção, eu e meu pai, que foi dois trens ”barruaram”, aí eu me afastei, mas meu pai ficou como efetivo. Isso em 1966.
Eu praticamente nasci dentro de uma estação e torcendo ferroviário. Ate hoje me recordo muito, eu tive uma viagem de trem de São Paulo a Santos, foi muito impressionante. Eu não posso ver um trem que me emociono, começo a chorar. Foi uma das minhas paixões. Com seis anos de idade eu vivia dentro de uma estação com todo aquele movimento de trem, de carga de passageiros. Até hoje quando vou assistir jogo na Barra do Ceará ainda encontro velhos amigos telegrafistas, maquinistas da minha idade e a gente conversa das coisas boas.
Quando a gente residia em Maracanaú tinha um time chamado Maracanaú, depois de João Dutra meu pai assumiu a direção do Maracanaú, quem jogava lá também jogava no Ceará, no Fortaleza, e eu fiz teste no Maracanaú e não passei, depois de seis meses refiz o teste e passei. Aí foi que eu passei acreditar que poderia ser alguém no futebol, foi quando meu pai pediu pra eu optar se queria a estrada de ferro ou o futebol, e eu escolhi o futebol. Pouco mais de três naos sofri uma fatura exposta e tive que abandonar o futebol. Mesmo assim sem poder jogar passei a me dedicar ao futebol de outra maneira, fui árbitro de futebol, fui treinador até chegar a ser cronista esportivo.
Foi difícil entender que não podia mais jogar. Fui recebido na maca do Hospital em Fortaleza e o médico disse – “você pára com futebol” -, como eu tinha deixado a REFESA, foi um duro golpe. Tive que voltar a estudar, me dedicar aos estudos e tentar a vida ao sol.
No dia 10 de novembro de 1968 tive a primeira oportunidade no rádio. Eu era sonoplasta. Não foi muito difícil trabalhar no rádio, quando eu entrei era na fase experimental, ninguém rodava comercial, somente musical. Trabalhei em grandes emissoras. Eu já fiz tudo no rádio, desde a faxina, sonoplasta, comentarias, narrador.
Narração
Pra narrar um jogo de futebol você tem que ter antes de tudo atenção. Tem que ter um bom repórter de pista, tem que se concentrar na partida. A partir dos quinze primeiros minutos da partida você decora o nome dos 22 jogadores. Pelo número da camisa você já sabe. Nos cruzamentos você aciona o repórter de pista, qualquer dúvida joga para o cara lá em baixo. Tem que ter sintonia com a equipe. O ‘controlista’ sempre atento pra soltar a vinheta na hora certa, pra marcar o tempo. Chama o comentarista na hora da dúvida, o repórter entra com opinião. Tem que ter um jogo de cintura.
O gol
O grito o gol você tem que preparar. Geralmente você prepara com um mecanismo chamado, ‘merol’. Você aquece a garganta e vai pro gol. Tem que ter naturalidade, a sua voz sai tranquila. Cada narrador tem um jeito de gritar o gol, e o meu jeito é assim: a bola lançada pela direita, quando vai cruzou na grande área, subiu de cabeça, tá no gol. Aí você solta. A narração é rápida por conta da rapidez do rádio. O rádio exige isso, é diferente da TV. A televisão mata toda a emoção, já o rádio não. Eu já narrei jogo do Ferroviário que quase morri. Todo mundo tem time, todo locutor tem time. Olhe, narrar o gol do adversário é totalmente diferente de narrar o gol do time.
Futebol de Quixeramobim
Quixeramobim é a cidade mais apaixonada por futebol no Ceará. Tudo que você faz o povo vai. Hoje nós temos 43 equipes na associação de futebol, e temos 200 equipes de futebol socity. Se você colocar todas essas equipes em um mesmo domingo, em todo campo você vai encontrar um público sensacional, lotado, um povo apaixonado. O lado financeiro para futebol amador é a maior dificuldade. Deveria ter também mais união.
Histórias do futebol
Teve uma partida de futebol em Itaitinga, eu estava lá e o narrador da verdinha, Luis Carlos Amaral estava doente e me escalaram pra narrar o jogo. Era Itaitinga e Quixeramobim, e aos 44 minutos do segundo tempo o Jolí marcou o gol da vitória. Terminou o jogo um a zero e então um bom repórter tem que entrevistar o jogar que fez o gol, claro. E fui eu entrevistar o Jolí. – Parabéns Jolí, fez o gol aos 44 minutos do segundo tempo salvando o jogo de dando a vitória ao Quixeramobim, parabéns Jolí! – ainda muito cansado ele soltou: – Viana graças a Deus, Deus me incendiou e eu fiz o gol -, foi a maior gargalhada depois”.
por
Elistênio Alves
Graduando em Letras/Espanhol pela Universidade Federal do Ceará
Membro da Academia Quixeramobinense de Letras, Ciências e Artes – AQUILetras