Projeções indicam fortemente que em 2024 haverá seca no Ceará. Mesmo sem a previsão oficial da quadra chuvosa do próximo ano, especialistas da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) apontam para o cenário negativo. Isso devido à influência do El Niño sobre a temperatura, o regime de chuvas e o aporte hídrico dos reservatórios. Atualmente o fenômeno climático tem intensidade de moderada a forte, mas existe a possibilidade de ser atingido uma versão ainda mais intensa, o “super El Niño”, como chamam alguns pesquisadores.
O presidente da Funceme, Eduardo Sávio, afirmou que “não há mais dúvidas” sobre a seca que irá atingir o Ceará no próximo ano. O gestor deu a informação na última terça-feira, 21, quando foi realizada a 114ª reunião ordinária do Conselho de Recursos Hídricos do Ceará (Conerh), em que o impacto do El Niño no aporte hídrico do Estado foi abordado.
A Funceme foi a primeira instituição a alertar sobre isso [efeitos nas próximas chuvas] há um bom tempo e agora provamos que não há possibilidade de termos uma boa quadra chuvosa com o cenário que temos hoje. Será impossível termos um bom aporte e deveremos trabalhar nisso, colocando em prática nossos aprendizados obtidos nos anos de seca.
O terceiro boletim mensal sobre monitoramento, previsões e possíveis impactos do El Niño no Brasil em 2023, publicado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na quarta-feira, 22, também aponta cenários para a região Nordeste. Para o próximo ano, a previsão é de um volume de chuvas menor para o período de janeiro a julho de 2024, o que pode levar a uma recarga hídrica insuficiente para que os reservatórios atinjam níveis adequados “ao atendimento dos usos múltiplos da água”.
O que é Super El Niño
Quando a anomalia de temperatura da superfície do mar ultrapassa 2°C, atinge-se o que alguns pesquisadores chamam de “super El Niño”. “O último que nós tivemos foi em 2015/2016, que afetou a quadra (chuvosa) de 2016. No pico do evento, em novembro-dezembro-janeiro, os valores foram de 2.6°C. É um valor bem considerável”, explica o oceanógrafo Diógenes Fontenele, pesquisador da Funceme.
No trimestre agosto-setembro-outubro de 2023 a média da temperatura na região do Niño 3.4 foi de 1,5°C acima da média. “Estamos observando para ver se ele vai ficar dentro da casa do moderado a forte. Mas, como as águas abaixo da superfície estão muito aquecidas, é possível que ele evolua. Precisamos monitorar”, afirma o pesquisador.
No patamar atual, Fontenele aponta que já existe uma “grande probabilidade” de o El Niño ter efeitos sobre a quadra chuvosa do Ceará. A duração pode variar. O pesquisador explica, por exemplo, que nos anos de 1991 e 1992 o fenômeno ocorreu até março, mas já houve situações em que ele chegou a durar dois anos seguidos.
Dessa vez, a tendência é que o fenômeno permaneça pelo menos até abril de 2024. Porém, a evolução ao longo do ano depende das condições, tanto atmosféricas como oceânicas.
No planeta, especialmente nas condições de clima, os mecanismos às vezes se reforçam — chamamos de feedback positivo, retroalimentação positiva, o que pode provocar uma intensificação do processo — (e às vezes), de certa forma, podem diminuir a intensidade. (…) Pode ser que as condições mudem e acabe entrando em neutralidade ou em uma condição de La Niña. Isso vai depender muito.
Além da intensidade, o local onde ocorre o El Niño também impacta a chuva no Ceará. Se o aquecimento começa e se desenvolve mais próximo à região central do Pacífico, a influência é menor do que quando o fenômeno ocorre mais próximo à costa do Peru.
“O que mais preocupa hoje são a magnitude e a posição. E a posição do El Niño atual é exatamente um aquecimento que começa mais próximo da América do Sul e vai se estendendo para a região central. Por isso acreditamos que, nesse padrão de circulação, o impacto da nossa quadra é mais significativo e liga esse alerta”, explica o pesquisador.
Em paralelo, todos os oceanos do planeta estão com temperatura acima da média — e, por consequência, com a atmosfera acima deles mais aquecida. A concentração de gases de efeito estufa também está maior — após uma “pequena redução” durante a pandemia de Covid-19 —, aumentando a retenção de calor na atmosfera. Todos esses fatores em escala mundial, junto a uma possível redução da cobertura de nuvens no Estado, podem levar a dias mais quentes.
“Em um contexto de aquecimento global, desse efeito dos gases de estufas tão atuantes, a tendência é que as ondas de calor e as altas temperatura se tornem mais frequentes”, diz Fontenele.
Impacto do El Niño para o Ceará
Quando a temperatura do Oceano Pacífico equatorial aumenta, diversas mudanças são percebidas nas condições climáticas e meteorológicas globais. Forma-se o chamado El Niño. No Brasil, o fenômeno gera aumento de chuvas nas regiões Sul e Sudeste, enquanto o inverso ocorre no Norte e no Nordeste. No Ceará, especificamente, ele pode impactar o aporte dos reservatórios e a regularidade das chuvas, repercutindo na agricultura. Quanto mais intenso, mais ele pode impactar a formação de nuvens sobre o Estado.
Uma quadra chuvosa boa ou ruim para o Ceará é determinada pela posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), sistema de nuvens que atua sobre o Estado entre os meses de fevereiro e maio. É a temperatura do Oceano Atlântico que faz ela ficar mais ao norte do globo ou se deslocar para o Hemisfério Sul, e essa segunda possibilidade proporciona chuvas para o Norte e o Nordeste brasileiros.
No Pacífico, a ocorrência do El Niño influencia a temperatura da superfície do oceano e a atmosfera acima dele. Como consequência, o padrão de circulação atmosférica é modificado, afetando o posicionamento da ZCIT no Atlântico. A intensidade do El Niño é relevante porque um fenômeno mais forte tem mais impacto na atmosfera. “É como se o Pacífico tivesse mais força para influenciar o Atlântico”, aponta Fontenele. (Do Diário do Nordeste)