O carioca é malandro. O paulista só pensa em trabalho. O mineiro é provinciano. O baiano, preguiçoso. O curitibano, anti-social. O gaúcho, bem, você já deve imaginar… Mas os brasileiros podem mesmo ser classificados assim, genericamente? A pergunta renderia uma longa discussão, mas é inegável que o humor se encarregou de formular estereótipos de acordo com cada estado brasileiro.
• Especial Humor
Os “tipos” regionais clássicos tiveram ainda mais propagação em três eixos principais, que acabaram se tornando referências do humor, com o matuto nordestino, o malandro carioca e o caipira do interior paulista e mineiro.
Incontestavelmente, o Ceará é o berço de desses tipos -e celeiro de grandes humoristas. Márcio Acselrad, coordenador do Labgraça, grupo de pesquisa sobre humor da Universidade de Fortaleza (Unifor), afirma que o humor cearense é o da descontração, do “Ceará Moleque”, que faz gozação com os outros e produz risada a partir dos próprios costumes e vida sexual das pessoas. “Humor é feito para rir, não precisa ter uma missão e, no Ceará, isso é muito evidente. O cearense é engraçado por natureza e faz piada até sobre si mesmo”, diz.
Para este comentário, não faltam exemplos, já que Renato Aragão e Tom Cavalcante são dois importantes nomes dessa escola. “O Didi é isso. Mistura zombaria com um olhar infantil que é pura graça”. O coordenador conta que esse estilo de fazer humor foi ao encontro do público na década de 1980, quando homens travestidos começaram a fazer shows humorísticos nas pizzarias, o que se tornou marca registrada do Ceará e é hoje atração turística.
Mas não dá para falar de humor cearense sem citar Chico Anysio. Apesar de ter se mudado para o Rio muito novo, o imortal Professor Raymundo – que ele não esconde ser seu personagem preferido – tem na veia o talento cearense e foi um dos maiores sucessos humorísticos da TV brasileira. Sobre a razão da farta safra de humoristas do estado, Acselrad brinca: “Deve ser a água – ou a falta dela. Acho que no Ceará as pessoas viram no humor a saída para problemas como a miséria”.
No Sudeste
Já no eixo Rio-São Paulo, a questão política foi alvo de muitos humoristas, mas o regionalismo não deixou de ser matéria-prima para as piadas cariocas e paulistanas. “Na linguagem do humor, o carioca vai sempre ser o malandro que não leva a vida tão a sério e zomba do paulista por trabalhar demais”, comenta Márcio.
Mas o que pode ser definido como originalmente carioca é o besteirol, que teve início nos anos 80. É o que diz Bruno Mazzeo, roteirista de programas de TV e um dos principais representantes da nova geração de humoristas. “Essa coisa mais despojada de falar besteira, até pelo clima da cidade, foi inaugurada no Rio e depois se espalhou para o Brasil. Pedro Cardoso, Felipe Pinheiro, Miguel Falabella e Guilherme Karan foram os precursores”, afirma Mazzeo, que estreia no cinema em outubro com a comédia ‘Muita calma nesa hora’ e parece ter herdado o talento do pai… Chico Anysio. A trupe do Casseta & Planeta também é célebre pelo escracho e não poupa os estereótipos regionalistas em suas piadas.
Já pelas bandas de Minas Gerais, de acordo com o humorista Geraldo Magela, o Ceguinho, o que prevalece é o jeito doce e carismático do mineiro, que acabou ganhando fama de caipira, encarnado na figura de Nerso da Capitinga (personagem de Pedro Bismarck), um dos principais símbolos atuais deste tipo clássico. “Somos zombados muito por causa do sotaque e pelos hábitos do interior de Minas de tomar ‘cafezim’ no fim da tarde e ‘prosear’ com o vizinho. É uma coisa cultural do estado que os humoristas exageram para fazer piada”, diz o Ceguinho.
Segundo a historiadora e editora do blog Carbono Catorze, Paula Janovitch, o humor regional que faz menção ao caipira surgiu no final do Império, quando os jornais publicavam colunas em que um caipira ficcional descrevia sua vinda para a cidade. No início do século 20, de acordo com Janovitch, este personagem passa a usar sua ingenuidade para fazer crítica à vida urbana e se torna o caipira urbano, que contesta o preconceito. Importante personagem da época foi o jornalista Cornélio Pires, que difundiu seu personagem caipira na rádio.
Mas foi nos anos 1920 que a figura do caipira perde a força crítica e passa a ser o que tem verme, é ingênuo e bobo. Isso é retratado no Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato que é interpretado no cinema por Amácio Mazzaropi, um dos atores que mais encarnou o tipo do caipira. “Nesta época, campo e cidade se tornam lugares distintos, com classes sociais mais definidas. Assim, o caipira passa a ser o excluído e é alvo do humor. Mazzaropi faz o típico caipira ‘bobo’ desta fase”, afirma a historiadora.
Apesar de ser visto como ‘ingênuo’, assim como o malandro carioca e o matuto nordestino, o estereótipo do caipira é tambem o ‘esperto’, ‘o mineiro que come quieto’. Para Márcio Acselrad, isso é próprio da cultura brasileira e acontece porque humor é estratégia de sobrevivência. “Quando eu não tenho nada, é melhor ludibriar, enganar, sair por cima. O humor brinca com isso”, explica.
Comédia em pé
Se os tipos regionais geram risada, uma nova onda “sem tipo” também tem divertido o brasileiro. Iminentemente urbano, o stand up comedy (“comédia em pé”, em inglês) virou moda, apesar de ser um gênero existente no Brasil desde a década de 1960, com o humorista José Vasconcelos.
Para Fábio Rabin – que faz stand up há cinco anos, antes mesmo de virar febre no Brasil, e também alegra o telespectador da MTV com o programa Comédia – o humor estava carente de identificação e as piadas precisavam ser renovadas, o que a comédia em pé tenta resolver. Segundo Rabin, até nesse gênero é possível ver as marcas de cada estado.
“Enquanto o paulista tem mais preocupação em ensaiar, o carioca, até pela característica de ser despojado, improvisa mais. No Nordeste também há mais improviso, e eles usam muitos recursos regionais, como repente, poesia, jogo de palavras, fantoches, algo bem original”, conta o humorista de 28 anos.
Independentemente da região, o humor brasileiro vive um bom momento e tem conquistado espaço até mesmo em espaços inusitados. Emissora de TV genuinamente musical, a MTV, assim como a Rede Record, vem oferecendo mais espaço para o humor.
Dos 34 programas da grade, cinco são essencialmente humorísticos, outros três misturam jornalismo com humor e dois são desenhos animados que também pretendem fazer rir. Só este ano, a emissora contratou seis novos humoristas e destinou metade do horário nobre de segunda a sexta-feira a programas de humor. “Percebemos que o público teve muita receptividade a esta nova linha, que tem alavancado nosa audiência”, afirma Raquel Affonso, gerente de programação da MTV Brasil.
Fonte: Por Luciana Martins, especial para o Yahoo! Brasil