Com o título “Estiagem transforma paisagem e rotinas”, eis a matéria especial do Jornal O Povo, assinada por Sara Oliveira, onde retrata a estiagem no Sertão Central cearense:
Foto: Tatiana Fortes |
No fim de 2013, o banho de chuveiro fazia a felicidade de aproximadamente 130 famílias do distrito Riacho Verde, um dos 13 de Quixadá. O açude que leva o nome da comunidade já não tinha capacidade de abastecimento e por isso uma adutora inaugurada pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) levou água do Cedro às torneiras dos moradores por algum tempo. Não se previu, porém, que o reservatório estaria, pouco mais de um ano depois, com 2,6% da capacidade. Onde se via água agora passam motos, bicicletas, rebanhos.
Abastecimento
No chão, que pode ficar mais úmido com as conhecidas “veias d’agua” subterrâneas, se planta de tudo à espera que algo sirva de alimento para os animais. “A adutora foi feita para captar água flutuante. Quando o Cedro secou, pedimos para aumentar os canos e poder pegar água do rio Sitiar”, contou o presidente da Associação de Moradores de Riacho Verde, Francisco Antônio Rodrigues, 46, conhecido como Chicão. Mas o rio também secou. Atualmente, a tubulação puxa água de um cacimbão perfurado pelos próprios moradores.
Enquanto Chicão mostrava ao O POVO como o equipamento funciona, o rebanho se aproximou. “Ela (a vaca) sabe que tem água. A tina dela fica lá em cima, mas ela não tem força para subir”, explicou. O animal ouviu o barulho da água sendo puxada da terra e implorava pelo que beber.
Dos quatro açudes visitados pelo O POVO, apenas o Cedro é monitorado pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). De acordo com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), o abastecimento das comunidades citadas não é de responsabilidade do órgão. A ONG Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar) seria responsável pela distribuição da água. O POVO não conseguiu, até o fechamento desta edição, entrar em contato com o técnico responsável.
Fartura no inverno
Distrito São João dos Queiroz
Raimundo Lourenço, 67, o seu Mundico, morou 20 anos em Fortaleza. Mas é no distrito de São João dos Queiroz, distante 30km de Quixadá, onde se diz feliz. Mesmo com as seis viagens diárias para encher os tambores com a água do cacimbão abastecido pelo carro-pipa, seu Mundico agradece. “Essa é uma fonte que Deus botou depois que o (açude) Boa Viagem não conseguiu mais mandar água para cá. Aqui tem fartura quando tem inverno. A gente até se animou com as chuvas de dias atrás, mas o tempo se levantou de novo”, comentou seu Mundico. “Aqui a vida é muito boa, você tem liberdade”, resumiu.
Tempos difíceis
Cacimba comunitária
Pés descalços e a ajuda de um amigo e dos cinco filhos, que carregam os baldes com água enquanto brincam de bolhas de sabão. Adriana Martins Silva tem 27 anos e está sozinha com as crianças no interior de Quixadá. O marido está em Fortaleza fazendo uma cirurgia no coração. “Pago R$ 5 no tambor d’água que levam lá em casa. Cansa muito botar isso no galão. Tem sido tempos muito difíceis”, contou. Adriana disse que é com o dinheiro do Bolsa Família, que soma R$ 250, que ela compra água, comida e os chinelos das crianças. “Nem sei o que seria se não esse dinheiro”, comentou.
O interior que “faz ficar”
Açude Bom Jardim
“Eu queria que chovesse e enchesse os açudes”. O desejo é de Henrique Rodrigues de Sousa, 13. O menino mora em frente ao que resta do açude Bom Jardim. Lama, cascos de caramujo e fósseis de peixes formam, junto ao espelho d’água restante, o açude. Quando sangrava, as águas do Bom Jardim alcançavam o pé da varanda de casa. “Graças a Deus”, conforme dizem, a família possui um carro que transporta alunos e não depende apenas da renda do leite das vacas. Questionado sobre o futuro e uma possível ida para outra cidade, como a irmã que sonha em ser médica, Henrique foi sucinto: “Se eu tiver de ficar aqui, eu fico””.