Desde criança, nos deslocamentos entre Fortaleza e Manituba, nas alvoradas do sertão, o rádio sempre foi meu companheiro. Não havia Internet até então e esse era o único meio de conexão com o resto do mundo. Através dele, o mundo todo junto a mim.
Àquela época, a energia era gerada por um motor movido a óleo, com desligamento programado para as 21 horas. A partir daí, só o velho companheiro, devidamente disposto embaixo da rede, na varanda, sob a luz das estrelas. São mais do que lembranças, são sentimentos. O rádio faz parte da minha história, o rádio AM.
Cresci ouvindo as lendárias palminhas da rádio Sociedade, de Salvador, Bahia. Ainda hoje essa é uma lembrança que me transporta para aqueles tempos. Eram poucas emissoras. Além da Sociedade, costumava ouvir a Rádio Excelsior, também da Bahia, a Verdes Mares e a Assunção, de Fortaleza, a Globo, do Rio e, mais próximo, a Sertão Central, de senador Pompeu e a Difusora Cristal de Quixeramobim.
Sou um operário e ativista do rádio AM. Foi nele que me encontrei e é nele que me realizo como profissional. A migração da banda AM para a FM, apesar de comemorada por boa parte das emissoras comerciais, principalmente do sudeste brasileiro, para mim, não veio para solucionar os problemas desse veículo. Transformar a frequência AM em FM, definitivamente, mesmo diante das justificativas de seus defensores, não me pareceu uma medida adequada.
Primeiro, porque deveria ter havido um amplo debate com a sociedade e com radiodifusores e suas entidades representativas, e não apenas com aquelas. Segundo, porque acredito ser um passo atrás na democratização da comunicação, já que o alcance do rádio FM é bem inferior ao do AM, logo, a cobertura resta prejudicada, deixando muitas áreas periféricas e rurais descobertas, até mesmo por conta da geografia regional. E, terceiro, porque encarece ainda mais a atividade do rádio.
A migração das emissoras que operam em AM para FM requer das emissoras um alto investimento financeiro para aquisição de equipamentos, num cenário de crise como esse vivido pelo País, e não é de agora. Logo, pode ser uma sentença de morte para muitas emissoras, porque, por mais que se busque colocar o rádio, sobretudo interiorano, como um veículo competitivo no cenário de mídia, não são dadas condições reais para esse veículo.
O que observo é uma nítida concentração das mídias destinadas pelos governos e grandes empresas à TV, por exemplo, em detrimento do rádio, que é o veículo mais acessível à população. O rádio é o veículo das massas, da inclusão, do dia a dia do povo. Isso não pode ser ignorado.
O argumento de que a migração oferece uma melhor qualidade nas transmissões, não é suficiente para justificar tamanha ruptura com um sistema de transmissão que é mais abrangente, que alcança mais pessoas, que democratiza o acesso a comunicação.
Na prática, essa migração vem atender a grandes emissoras comerciais, na maioria localizadas nos maiores centros do País, que até então operavam na faixa AM, e que há muito tempo buscavam um meio de enfrentar a concorrência com as FM’s. Mas, e as demais emissoras, das cidades pequenas do interior do País?
O que também me causou espanto foi a rapidez com que esse projeto foi analisado e aprovado pelo Governo: Menos de quatro meses, quando uma simples alteração no quadro societário de uma emissora ou o processo de concessão de uma outorga pode durar anos. A morosidade do Ministério das Comunicação, ao meu ver, se faz seletiva.
A defesa do rádio AM é a defesa da própria sociedade, da inclusão, da preservação de um jeito de fazer comunicação local, de prestar serviço, de valorizar a cultura regional.
Lamentável que em vez de fortalecer, o Governo tenha optado por extinguir uma freqüência que faz parte da própria história da comunicação no País.
Por
Sérgio Machado
Radialista, Diretor-Presidente do Sistema Maior de Comunicação, é integrante do Conselho de Administração da Fundação Canudos.